30 novembro 2012

A Neurociência do aprendizado

com Suzana Herculano-Houzel

 
"Nas últimas décadas as pesquisas em Neurociências vêm contribuindo para um conhecimento inédito de como o cérebro se desenvolve e funciona. Conhecimento fundamental para os diversos campos da ciência, em especial o da Educação.
Nesta série de programas, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel traz estas descobertas para o contexto educativo e revela como estas ideias podem ajudar na compreensão do processo de aprendizagem. Este programa oferece os seguintes conteúdos; O que é aprender; Um excesso de sinapses inicial;



 
 
 
 

Remodelando os circuitos; Sinapses corretas; Criação e remoção das sinapses um processo contínuo; Janelas de oportunidade; Genética como ponto de partida; Oportunidade, prática e motivação; Fatores que influenciam a aprendizagem; Atenção a grande porta do aprendizado."
 
Leia Mais ►

28 novembro 2012

O Impacto da Internet sobre as Neurociências

by Silvia Helena Cardoso, PhD



 
"Vivemos e nos movemos hoje na plenitude da era da informação. A sobrevivência humana tem exigido máxima atualização da informação. A velocidade de acumulação do conhecimento está aumentando de forma vertiginosa em quase todas as atividades humanas. Com a Internet, a gigantesca rede de computadores do planeta, houve uma aceleração ainda maior na curva do conhecimento.
Na área médica e científica, a Internet tem figurado como um ambiente essencial, não somente para difusão da informação, mas também para a cooperação entre instituições. Ela tem permitido ao profissional desta área, pensar e agir a nível global, e gerar com maior eficiência e rapidez, produtos de valor para a comunidade.  
O exemplo mais elementar desse fenômeno ocorre no campo da difusão da informação. Médicos, biólogos e cientistas, na qualidade de executores e produtores de informações, têm contribuído para a educação de pacientes e estudantes nas neurociências básicas e clínicas. Exemplos disso são os livros e revistas on-line (como, por exemplo, o Journal of Neuroscience, para trabalhos de pesquisa, e a própria revista Cérebro & Mente, para divulgação científica), e as chamadas "comunidades virtuais de ensino" como o Hospital Virtual americano (e seu correspondente brasileiro, o HVB), as quais contém grande volume de informação científica disponíveis gratuitamente para todos os interessados. Imensos e bem organizados bancos de imagens, como o The Whole Brain Atlas, e de neuropatologia, como o WebPath, dão acesso a um mundo inimaginável de informação visual, a qual seria impossível antes da existência da Internet. Existem inclusive  "cursos virtuais" completos em neurociências, como o Neurosciences Tutorial da Universidade de Washingthon em Saint Louis, no qual os estudantes podem realizá-lo inteiramente através da Internet. 

Como se orientar nesse universo crescente de informação através da rede ? Felizmente, para isso existem catálogos especializados e até mecanismos de busca por palavras-chave, como o Neurosciences on the Internet e o Neurosciences Web Search.  

No campo de pesquisa, cientistas têm desenvolvido trabalhos cooperativos nacionais e internacionais, sem saírem de seus países e mesmo de suas salas e laboratórios. Pesquisas de ponta, como o Programa Genoma Humano, têm sido desenvolvidas por grupos internacionais, cada um em seu país. Com isso, os custos e a rapidez da elaboração de pesquisas são tremendamente beneficiados. Em neurociências, um bom exemplo é o banco de dados sobre o Cenorrhabdtis elegans. Este é um pequeno nemátodo subterrâneo, com apenas 1 mm de comprimento, mas que se tornou um dos principais modelos do estudo científico cooperativo da genética do desenvolvimento e do estudo da neurobiologia, devido à sua simplicidade estrutural. A sua comunidade de pesquisa atualmente tem cerca de 1.000 cientistas, que interagem através da Internet, no grupo de notícias bionet.celegans, em listas de discussão, no acesso à base de dados ACeDB (A C. elegans Data Base), que contém todo o genoma do animal, bem como uma descrição completa, anatômica e funcional, de cada um dos seus 360 neurônios; e através de um servidor da WWW especialmente dedicado a este organismo, mantido pela Universidade do Texas.
Outro exemplo do tremendo impacto e significância da Internet em pesquisa e desenvolvimento ocorre nas áreas de neurobiologia molecular e neurogenética. Atualmente todas as seqüências de genes são submetidas e consultadas através de gigantescos bancos de dados disponíveis na Internet no National Center for Biotechnology Information. Se apenas um deles, o GenBank, fosse distribuído em CD-ROM, ocuparia cerca de 40 discos, o que tornaria impraticável o seu uso fora da rede. Um neurobiologista molecular que não tenha acesso à Internet, portanto, não consegue mais trabalhar neste campo. Uma tendência similar pode ser observada em muitos outros campos das neurociências. 
Um conceito fascinante permitido pela Internet é o chamado trabalho cooperativo através da rede. Por exemplo, na redação das publicações de pesquisa, todos os membros de um grupo de cientistas podem dar sua contribuição ainda que cada um esteja localizado em diferentes pontos do planeta. Eles podem escrever simultaneamente um mesmo trabalho, praticamente com a mesma velocidade e eficiência que se estivessem lado a lado, utilizando um tipo de software chamado groupware, como o Lotus Notes ou o Microsoft NetMeeting. Este software permite que cada palavra ou frase apareça com uma cor diferente, conforme quem a escreveu. Imagens podem ser inseridas e o texto editorado por várias pessoas ao mesmo tempo, através da Internet.  
Existem ainda aplicações mais avançadas. As redes neurais artificiais são um modelo aplicado de sistema de apoio à decisão, que utilizam os conceitos de organização funcional do sistema nervoso. Atualmente elas estão sendo usadas para ajudar os neurocientistas em seus trabalhos de pesquisa, fechando um círculo interessante: as neurociências fornecem resultados para que os engenheiros produzam redes neurais artificiais cada vez mais poderosas, e estas, por sua vez, ajudam os neurocientistas a processar sinais e imagens biológicas, detectar padrões, e até elaborar decisões na área clínica (veja o artigo pelo pesquisador Malcon Taffner neste número de C&M). O Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp desenvolveu uma rede neural de apoio à decisão em neurocirurgia que funciona através da Internet. O usuário fornece os dados do paciente com trauma craniencefálico e a rede neural responde ao prognóstico e auxílio sobre decisão de se fazer ou não a cirurgia (http://www.ldc.com.br/mlucia).
No futuro, possivelmente até mesmo congressos e simpósios de neurociências serão realizados através da Internet. No Virtual World Congress, da American Association of Chest Physicians, está ativo para dezenas de palestrantes convidados, mesas redondas, narração de posters e show de slides. Para participar, você não precisa nem mesmo se procupar em conseguir passagens aéreas e quartos de hotel. Onde é a conferência? Pode ser em qualquer lugar, isto não é relevante..
 Enquanto esse dia não chega por completo, a organização de grandes congressos, como o famoso Neuroscience Meeting, realizado pela Society for Neuroscience, e que reúne mais de 25.000 cientistas e estudantes todo ano, depende de forma essencial da Internet. Todos os seus detalhes, desde a inscrição no congresso, até a lista e reserva dos hotéis e o resultado da aceitação de papers, ficam disponíveis interativamente através da Internet, facilitando em muito a participação de todos. 
Desta forma, fica evidente que o universo do saber está passando por um processo de transformação em seus paradigmas. Um efeito interessante deste processo já começa a ser notado: o próprio comportamento das pessoas também está sendo modificado por esta "sociedade virtual" estabelecida há tão poucos anos pelo advento da Internet.  

 
Um ponto interessante a se notar com este processo de transformação do universo do saber, é como o próprio comportamento das pessoas também está sendo modificado por esta "sociedade virtual" estabelecida há tão poucos anos pelo advento da Internet. Estudiosos têm realizado pesquisas sobre esse comportamento, notando as diferenças que existem em relação a outros comportamentos de comunicação e interação social. Já existem até mesmo alguns periódicos internacionais dedicados ao tema, como o CyberPsychology & Behavior, e o The Journal of Online Behavior. Este último descreve seus objetivos como sendo "o estudo empírico do comportamento humano no ambiente on-line, e qual é o impacto da evolução das tecnologias de informação e comunicação sobre os indivíduos, grupos, organizações e a sociedade". 
Podemos concluir que, para todos os propósitos, a "sociedade on-line" possibilitada pela Internet, representa uma nova revolução na esfera da comunicação humana e na extensão dos poderes de nossos sistemas nervosos por meio da tecnologia. Esta via começou historicamente quando nossas espécies emergiram milhões de anos atrás, primeiro com o aprendizado e comunicação por gestos e imitação, e então por um passo poderoso representado pela aquisição da linguagem, e finalmente, pela invenção da escrita. A interação eletrônica global transformará radicalmente os nossos caminhos bem como os nossos cérebros.
 
A neurociência nunca mais será a mesma."
IN: http://www.cerebromente.org.br/n05/editori5.htm,  acessado dia 28.11.2012
 
Leia Mais ►

22 novembro 2012

“MUDE SUA PERSONALIDADE E VIVA MAIS”




 
Viver até os 100 anos de idade ainda é um acontecimento raro, mas está se tornando cada vez mais comum no mundo todo. No Brasil, esse grupo já representa mais de 23.000 pessoas, segundo o Censo de 2010. Mas como essas pessoas conseguem viver tanto? Pesquisas sugerem que boa parte da resposta está nos genes dessas pessoas, porém descobriu-se recentemente que a personalidade também é um fator importante da longevidade. 

 

Se a personalidade é importante para a longevidade, será que conseguimos mudar nossa personalidade? Existe uma crença comum de que “cachorro velho não consegue aprender novos truques”, ou seja, uma vez que a personalidade é formada no início da vida adulta, ela permanece inalterada ao longo da vida. Mas um novo estudo desafia essa crença utilizando uma intervenção cognitiva baseada em exercícios para o cérebro.

 Pesquisadores desenvolveram um programa de treinamento para melhorar a capacidade de raciocínio em idosos que consistia em uma série de desafios que eles podiam fazer em casa. Os idosos possuíam entre 60 e 94 anos de idade e completavam os desafios cada um no seu ritmo, porém o nível de dificuldade individual aumentava a cada semana. Cada participante passou por um teste de habilidades cognitivas (como memória, atenção, raciocínio lógico etc.) e de traços de personalidade, antes, durante e depois do programa de treinamento.


Vale explicar que a personalidade refere-se a um conjunto estável de padrões comportamentais, bem como traços cognitivos, motivacionais, sociais e emocionais, que são influenciados pelo histórico familiar, predisposição genética, ambiente e fatores socioculturais.

A psicologia geralmente descreve a personalidade de uma pessoa através de cinco fatores:

1.Neuroticismo:  A escala global do Neuroticismo avalia a adaptação vs. a instabilidade emocional. Identifica, por conseguinte, indivíduos preocupados, nervosos, emocionalmente inseguros, com sentimentos de incompetência, hipocondríacos, com tendência para a descompensação emocional, idéias  irrealistas, desejos e necessidades excessivas e respostas de coping desadequadas..

2.Extroversão: Os extrovertidos são pessoas sociáveis, que para além de apreciarem o convívio com os outros, com os grupos e as multidões, são também afirmativos, otimistas, amantes da diversão, afetuosos, ativos e conversadores.

3. Amabilidade: A pessoa amável é, fundamentalmente, altruísta, de bons senti¬mentos, benevo¬lente, digna de confiança, prestável, disposta a acreditar nos outros, reta, inclinada a perdoar. É também simpática para com os outros e acredita, por sua vez, que os outros serão igualmente simpáticos.

4.Conscienciosidade: avalia o grau de organização, persistência e motivação pelo comportamento orientado para um objetivo. Contrasta pessoas, que são de confiança e escrupulosas, com as que são preguiçosas e descuidadas.

5.Abertura para o novo. Os componentes da Abertura à Experiência são: a fantasia ou imaginação ativa, a sensibilidade estética, a amplitude dos sentimentos, a abertura a idéias ou a curiosidade intelectual e o juízo independente ou liberal.

Voltando ao estudo, os participantes que passaram pelo programa de treinamento, com 16 semanas de duração, tiveram melhora nas suas habilidades cognitivas. Além disso, os que apresentaram ganho nas habilidades de raciocínio indutivo, também demonstraram um aumento moderado, porém significativo, em abertura para o novo, um dos cinco fatores de personalidade. Com esse resultado, esse estudo é um dos primeiros a demonstrar que traços de personalidade podem mudar através de intervenções “não fármaco-psicológicas”.


Essa descoberta, apesar de ainda estar limitada a um traço da personalidade, abre uma série de possibilidades interessantes, pois diversos estudos já apontam que existem características de personalidade favoráveis à boa saúde na terceira idade, bem como à longevidade. Inclusive, um estudo recente conseguiu identificá-los de maneira mais completa, pois utilizou um grupo mais homogêneo de pessoas.

 A pesquisa contou com mais de 243 centenários, com idade média de 97,6 anos, dentre um grupo de judeus do Leste Europeu. Após analisar os aspectos de personalidade desse grupo, os pesquisadores verificaram que os centenários compartilham certos traços de personalidade que estão associados à longevidade, os quais foram resumidos em duas características.
 
A primeira característica é o que eles chamam de “atitude positiva com relação à vida”, que consiste na pessoa ser otimista, fácil de lidar, dar risada, gostar de sair e possuir uma rede social grande. Já a outra característica foi batizada de “expressão emocional”, que é a capacidade da pessoa expressar abertamente suas emoções, ao invés de represa-las.

 

Mas não basta ter longevidade sem qualidade de vida, principalmente no que se refere à saúde mental. Por isso é que o Cérebro Melhor, o primeiro programa online de treinamento cerebral do Brasil, defende uma série de atitudes para promover o bem-estar de seus usuários, as quais podem ser resumidas em: sono suficiente, alimentação adequada, controle do estresse, exercícios físicos e estímulo cognitivo.”



Leia Mais ►

05 novembro 2012

Esqueça o que você sabe sobre criatividade

Não faça brainstorming, durma mal, beba um pouco e viva distraído. você fará conexões iluminadas

por Rodrigo Rezende




Mente Brilhante // Créditos: Dair Biroli
 
Copo de cerveja, música árabe, bailarina de dança do ventre. Escrevo esta matéria de um lugar meio inusitado. Fumaça, pessoas batendo palmas, casal discutindo. Estou a 500 km de casa, não conheço ninguém nesta cidade e tenho que entrevistar um cientista amanhã cedo. O que faço aqui, afinal? Tento ser criativo.
Pode parecer estranho, mas ajo segundo a ciência. De acordo com descobertas recentes é exatamente numa situação como essa que é mais provável ter ideias inovadoras. Foco, concentração extrema, reflexão solitária? Esqueça. Se você está em busca da ideia genial, é hora de rever seus conceitos. A fórmula para o insight pode estar onde você menos imagina.

ACRIVIDATIDE

Mas o que é um insight? Para tentar entender, vamos provocar um agora mesmo dentro de sua cabeça. Está vendo estas letras aqui: ULIGALE? Tente organizá-las para formar uma palavra. Se você entendeu o título aí em cima, já está craque nisso. Segundo Jonah Lehrer, autor do recente livro Imagine: How Creativity Works (Imagine: Como a Criatividade Funciona — ainda sem tradução para o português), existem dois métodos possíveis para resolver esse problema. Um deles é examinar, letra a letra, quais são as sílabas mais prováveis. E depois rearranjá-las até que surja uma palavra. O outro? Boa pergunta. A palavra simplesmente surge, como que por mágica, na sua mente. É o insight.

Os cientistas John Kounios, da Universidade Drexel, e Mark Beeman, da Universidade Northwestern, ambas nos EUA, deram um passo importante para desvendar o mistério do insight. Colocaram pessoas para resolver problemas semelhantes ao que você viu dentro de máquinas de ressonância magnética. Perceberam que uma área se torna mais ativa quando alguém tem um lampejo. Com um pouco de tecnologia, os cientistas provaram que pensamento criativo não é feitiçaria: envolve uma parte específica da nossa cabeça. Coloque a mão alguns centímetros atrás da orelha direita. Parabéns, você acaba de tocar uma espécie de ponto G da criatividade em sua mente. Esse pequeno pedaço de tecido cerebral (o giro temporal superior anterior) entra em ação quando você interpreta temas literários, cria metáforas e entende uma piada. E também ao resolver problemas pelo método “mágico”.

Colocar uma qualidade mental tão nobre e etérea no mapa do cérebro é um feito científico considerável. Mas Beeman e Kounios não pararam por aí. O que fizeram na sequência é de dar inveja a qualquer cartomante: previram o momento eureca. Hoje, eles são capazes de colocar alguém em uma máquina e dizer: “Você vai ter um insight em 8 segundos” ou “esquece, você não vai resolver o problema tão cedo”. Isso porque, antes do clímax das ideias, ocorre uma tempestade elétrica e um aumento de fluxo sanguíneo na área cerebral da criatividade. Como verdadeiros profetas, os cientistas leem esse sinais e conseguem prever o momento eureca. Para entender melhor experimentos como esse, a reportagem da GALILEU foi a Joinville (SC) conversar com um neurocientista.

SEM TEMPESTADE DE IDEIAS

Criatividade // Créditos: Dair Biroli
 
São 7h30 da manhã. Em meio a 500 executivos engravatados, ouço um palestrante de apenas 30 anos citar versos da música Like a Rolling Stone, que Bob Dylan lançou em 1965. Quem vê cara, não vê currículo. Além de ser autor de Imagine, seu terceiro livro, Jonah Lehrer é ex-pesquisador do Centro de Neurobiologia e Comportamento (laboratório do ganhador do Nobel de Medicina de 2000 Eric Kandell na Universidade de Columbia, EUA). Ele ainda editou a badalada revista Wired e integra a equipe da New Yorker.

Nos últimos tempos, Lehrer vem rodando o planeta dando palestras para o alto escalão corporativo. Duas horas depois da apresentação na feira ExpoGestão 2012, ele me recebe. “Dormi só 5 horas. Estou mais criativo agora?”, pergunto. Jonah responde: “Se você é uma pessoa com hábitos noturnos, sim”. E dispara a falar sobre outras conexões estranhas. “Quando você está meio grogue, quando é meio avoado, quando está relaxado e, às vezes, até quando toma uma cerveja, tende a ficar mais criativo.” Acredite: o discurso não tem nada de hippie. Pelo contrário. Enquanto ele falava sobre o processo caótico de composição de Bob Dylan, administradores superconcentrados anotavam seus conselhos.

O motivo? Criatividade gera dinheiro. E, segundo a ciência, muitos métodos usados para turbinar a inovação no escritório estão errados. Exemplo: o brainstorming, tática de expor o máximo de ideias em uma reunião sem criticar os demais integrantes do grupo. “Para aumentar nosso potencial imaginativo, temos que focar somente na quantidade de ideias. A qualidade virá depois”, disse o criador da técnica, Alex Osborn, nos anos 40. A teoria parece boa, mas a prática nem tanto. “Décadas de pesquisa provam que pessoas em grupos de brainstorming têm menos ideias que as que trabalham sozinhas”, diz o psicólogo Keith Sawyer, da Universidade de Washington (EUA).

Em um estudo, Sawyer dividiu 48 pessoas em 12 grupos de brainstorming e as colocou para resolver problemas. Depois comparou as soluções com as de pessoas que trabalhavam sozinhas nas mesmas questões. O segundo grupo teve o dobro de ideias, e elas eram mais práticas e eficazes, segundo especialistas. Moral da história: a crítica é necessária ao aprimoramento das ideias, mesmo que seja a autocrítica.

CANSADO E DISTRAÍDO
Em uma pesquisa divulgada em fevereiro deste ano, a cientista americana Mareike Wieth colocou 428 estudantes grogues de sono para resolver dois tipos de problema: questões analíticas (equações simples e contas de divisão) e enigmas criativos (parecidos com os que você resolveu). Ao contrário do esperado, o desempenho dos sonolentos foi igual ao de estudantes sem sono nas contas matemáticas. Já nas questões criativas, a surpresa foi ainda maior: a performance melhorou em até 50%. Já um estudo publicado este ano pela Universidade de Illinois (EUA) usou pessoas alcoolizadas (0,075 de con centração alcoólica no sangue) para resolver problemas criativos. Resultado: o desempenho melhorou em 30%. “Uma cerveja antes do almoço é muito bom para ficar pensando melhor”, escreveu Chico Science. Mal sabia ele quanta science poderia existir nisso.

Outro ponto polêmico: distrações podem te deixar mais criativo. Faça este teste usado pela psicóloga americana Holly White em uma pesquisa sobre distração e criatividade. Observe a seguinte conta, que está errada: III = III + III. Agora tente corrigir a equação movendo apenas um dos traços (resposta no rodapé da última página desta matéria). Se acertou, parabéns. Mas talvez você tenha conseguido justamente por ser mais distraído do que a média. Ser avoado deixaria você mais aberto às associações mentais inesperadas, a chave para boas ideias, diz a ciência.

Na pesquisa feita por White, estudantes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foram muito melhor em testes de criatividade. Eles também haviam ganhado mais prêmios e menções honrosas em todas as áreas do conhecimento, da arte dramática à engenharia. Pessoas distraídas geralmente têm mais atividade no hemisfério direito do cérebro. “O mundo é tão complexo que a cabeça tem que processá-lo de dois jeitos diferentes”, afirma Beeman. “É preciso enxergar uma árvore só e a floresta inteira ao mesmo tempo. O hemisfério direito é quem ajuda a ver a floresta.”

Para Lehrer, é exatamente essa visão global que está por trás do pensamento criativo. Na palestra para os executivos no Brasil, ele contou como Bob Dylan só foi capaz de criar sua obra-prima Like a Rolling Stone depois de se distrair, abandonar uma turnê e entrar em uma espécie de transe. “Eu me vi do nada escrevendo essa música, uma longa história vomitada em 20 páginas”, afirmou Dylan. “É uma mistura de La Bamba, poesia beatnik e Beatles”, diz Lehrer. “O que ele fez foi enxergar o estranho fio que conecta tudo isso. Enquanto escrevia, seu hemisfério direito encontrou um jeito de juntar essas influências incongruentes em um hit musical.”

Foi justamente para investigar a relação entre distração e criatividade que comecei a escrever esta matéria em um restaurante. Mas por que árabe? E por que tão longe de casa? Segundo estudos recentes, quanto mais distante você está — física ou psicologicamente — de onde mora, mais criativo tende a ser. Em uma pesquisa da Indiana University (EUA), estudantes pontuaram mais em um teste de usos criativos de meios de transporte só por imaginar que eles haviam sido concebidos ou seriam usados em outro país.

NÃO SOLTE AS AMARRAS

Viajar e se distrair ajuda a ter boas ideias. Afinal, criatividade é sinônimo de liberdade, não é? Segundo estudo da psicóloga Janina Marguc, da Universidade de Amsterdã, não. O resultado de sua pesquisa sobre o impacto de restrições na criatividade mostra que, se me deixassem escolher o tema e o tamanho desta matéria, por exemplo, o resultado seria menos criativo. Ter uma ordem mais estrita, no caso, “escreva 10 mil caracteres sobre criatividade”, libertaria a parte do meu cérebro ocupada em definir tamanho e tema e deixaria mais processamento cerebral à disposição para gerar ideias. Isso aumentaria o acesso a insights que surgem no inconsciente, o que deixa qualquer pessoa mais inovadora.

A revolução na neurociência da criatividade é mesmo uma faca de dois gumes. Dá argumentos para você se libertar do escritório e da sala de aula, porém justifica as ordens do chefe.Mas ainda há um meio de garantir seu livre-arbítrio durante o processo de criação. Basta usar o argumento de autoridade de um dos homens mais geniais da história: “Criatividade é o que ganhamos com tempo gasto à toa”. Se te perguntarem “Quem foi o Einstein que disse isso?”, é só responder: o próprio — vulgo Albert.

Dicas
Antes sóFazer brainstorming não é uma boa. Segundo pesquisa da Universidade de Washington (EUA), simplesmente dar e ouvir palpites sem poder fazer críticas não ajuda a aprimorar as ideias. Quem quebra a cabeça sozinho pode conseguir até o dobro de soluções para um problema.

Siga os bons
Tudo azul
Recorra aos ambientes ou mesmo a uma folha azul para resolver problemas. Pesquisa da Universidade British Columbia (Canadá) revelou que a cor favorece os insights. Por remeter a ambientes amplos como céu e mar, ajudaria a expandir a mente.

Corra do vermelho
Ele funciona como o sinal do “pare” no semáforo. No estudo da British Columbia, ajudou na memória e atenção, mas prejudicou a criatividade, já que lembra restrição.

Pense dormindo
Quanto mais sonolento estiver, melhores ideias terá. O cansaço melhorou em até 50% o desempenho em testes de criatividade feitos pela psicóloga cognitiva Mareike Wieth, da Albion College (EUA).

Sonhe acordado
Você vive no mundo da lua? Continue assim. Uma pesquisa de Jonathan Schooler, da Universidade da Califórnia (EUA), descobriu que gente desligada se sai melhor em diversos experimentos de criatividade.

Seja criança
Criar pode ser uma brincadeira. Literalmente. O psicólogo Michael Robinson, da Universidade da Dakota do Norte (EUA), pediu que pessoas imaginassem ter 7 anos de idade. Resultado: elas se deram muito melhor em testes criativos.

Solte o riso Rir é o melhor remédio. Mark Beeman e John Kounios (responsáveis pela descoberta do ponto G da criatividade) mostraram um video de stand-up comedy do Robin Willians para algumas pessoas e, depois, as colocaram para resolver problemas. O desempenho foi 20% melhor do que o de quem havia assistido a vídeos chatos
ou assustadores.

Saia do campo Se você quer ter uma grande ideia, fuja das áreas rurais. Físicos do Instituto Santa Fé (EUA) descobriram que mudar de uma cidade pequena para uma grande aumenta em 15% a chance de criar uma nova patente.

Ah, Vá tomar banho
Quem diz isso é o psicólogo Joydeep Bhattacharya, da Universidade Goldsmith (Londres). Ele descobriu que o banho aumenta a quantidade de ondas cerebrais alfa, que faz crescer a chance de você ter um insight.

In: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI314406-17771,00-ESQUECA+O+QUE+VOCE+SABE+SOBRE+CRIATIVIDADE.html Acessado em 05.11.2011          
Leia Mais ►