by Silvia Helena Cardoso, PhD
"Vivemos e nos movemos hoje na plenitude da era da
informação. A sobrevivência humana tem exigido máxima atualização da
informação. A velocidade de acumulação do conhecimento está aumentando de forma
vertiginosa em quase todas as atividades humanas. Com a Internet, a gigantesca
rede de computadores do planeta, houve uma aceleração ainda maior na curva do
conhecimento.
Na área médica e científica, a Internet tem figurado como um
ambiente essencial, não somente para difusão da informação, mas também para a
cooperação entre instituições. Ela tem permitido ao profissional desta área,
pensar e agir a nível global, e gerar com maior eficiência e rapidez, produtos
de valor para a comunidade.
O exemplo mais elementar desse fenômeno ocorre no campo da
difusão da informação. Médicos, biólogos e cientistas, na qualidade de
executores e produtores de informações, têm contribuído para a educação de
pacientes e estudantes nas neurociências básicas e clínicas. Exemplos disso são
os livros e revistas on-line (como, por exemplo, o Journal of Neuroscience,
para trabalhos de pesquisa, e a própria revista Cérebro & Mente, para
divulgação científica), e as chamadas "comunidades virtuais de
ensino" como o Hospital Virtual americano (e seu correspondente
brasileiro, o HVB), as quais contém grande volume de informação científica
disponíveis gratuitamente para todos os interessados. Imensos e bem organizados
bancos de imagens, como o The Whole Brain Atlas, e de neuropatologia, como o
WebPath, dão acesso a um mundo inimaginável de informação visual, a qual seria
impossível antes da existência da Internet. Existem inclusive "cursos virtuais" completos em
neurociências, como o Neurosciences Tutorial da Universidade de Washingthon em
Saint Louis, no qual os estudantes podem realizá-lo inteiramente através da
Internet.
Como se orientar nesse universo crescente de informação
através da rede ? Felizmente, para isso existem catálogos especializados e até
mecanismos de busca por palavras-chave, como o Neurosciences on the Internet e
o Neurosciences Web Search.
No campo de pesquisa, cientistas têm desenvolvido trabalhos
cooperativos nacionais e internacionais, sem saírem de seus países e mesmo de
suas salas e laboratórios. Pesquisas de ponta, como o Programa Genoma Humano,
têm sido desenvolvidas por grupos internacionais, cada um em seu país. Com
isso, os custos e a rapidez da elaboração de pesquisas são tremendamente
beneficiados. Em neurociências, um bom exemplo é o banco de dados sobre o
Cenorrhabdtis elegans. Este é um pequeno nemátodo subterrâneo, com apenas 1 mm
de comprimento, mas que se tornou um dos principais modelos do estudo
científico cooperativo da genética do desenvolvimento e do estudo da
neurobiologia, devido à sua simplicidade estrutural. A sua comunidade de
pesquisa atualmente tem cerca de 1.000 cientistas, que interagem através da
Internet, no grupo de notícias bionet.celegans, em listas de discussão, no
acesso à base de dados ACeDB (A C. elegans Data Base), que contém todo o genoma
do animal, bem como uma descrição completa, anatômica e funcional, de cada um
dos seus 360 neurônios; e através de um servidor da WWW especialmente dedicado
a este organismo, mantido pela Universidade do Texas.
Outro exemplo do tremendo impacto e significância da
Internet em pesquisa e desenvolvimento ocorre nas áreas de neurobiologia
molecular e neurogenética. Atualmente todas as seqüências de genes são
submetidas e consultadas através de gigantescos bancos de dados disponíveis na
Internet no National Center for Biotechnology Information. Se apenas um deles,
o GenBank, fosse distribuído em CD-ROM, ocuparia cerca de 40 discos, o que
tornaria impraticável o seu uso fora da rede. Um neurobiologista molecular que
não tenha acesso à Internet, portanto, não consegue mais trabalhar neste campo.
Uma tendência similar pode ser observada em muitos outros campos das
neurociências.
Um conceito fascinante permitido pela Internet é o chamado
trabalho cooperativo através da rede. Por exemplo, na redação das publicações
de pesquisa, todos os membros de um grupo de cientistas podem dar sua
contribuição ainda que cada um esteja localizado em diferentes pontos do
planeta. Eles podem escrever simultaneamente um mesmo trabalho, praticamente
com a mesma velocidade e eficiência que se estivessem lado a lado, utilizando
um tipo de software chamado groupware, como o Lotus Notes ou o Microsoft
NetMeeting. Este software permite que cada palavra ou frase apareça com uma cor
diferente, conforme quem a escreveu. Imagens podem ser inseridas e o texto
editorado por várias pessoas ao mesmo tempo, através da Internet.
Existem ainda aplicações mais avançadas. As redes neurais
artificiais são um modelo aplicado de sistema de apoio à decisão, que utilizam
os conceitos de organização funcional do sistema nervoso. Atualmente elas estão
sendo usadas para ajudar os neurocientistas em seus trabalhos de pesquisa,
fechando um círculo interessante: as neurociências fornecem resultados para que
os engenheiros produzam redes neurais artificiais cada vez mais poderosas, e
estas, por sua vez, ajudam os neurocientistas a processar sinais e imagens
biológicas, detectar padrões, e até elaborar decisões na área clínica (veja o
artigo pelo pesquisador Malcon Taffner neste número de C&M). O Núcleo de
Informática Biomédica da Unicamp desenvolveu uma rede neural de apoio à decisão
em neurocirurgia que funciona através da Internet. O usuário fornece os dados
do paciente com trauma craniencefálico e a rede neural responde ao prognóstico
e auxílio sobre decisão de se fazer ou não a cirurgia
(http://www.ldc.com.br/mlucia).
No futuro, possivelmente até mesmo congressos e simpósios de
neurociências serão realizados através da Internet. No Virtual World Congress,
da American Association of Chest Physicians, está ativo para dezenas de
palestrantes convidados, mesas redondas, narração de posters e show de slides.
Para participar, você não precisa nem mesmo se procupar em conseguir passagens
aéreas e quartos de hotel. Onde é a conferência? Pode ser em qualquer lugar,
isto não é relevante..
Enquanto esse dia não
chega por completo, a organização de grandes congressos, como o famoso
Neuroscience Meeting, realizado pela Society for Neuroscience, e que reúne mais
de 25.000 cientistas e estudantes todo ano, depende de forma essencial da
Internet. Todos os seus detalhes, desde a inscrição no congresso, até a lista e
reserva dos hotéis e o resultado da aceitação de papers, ficam disponíveis
interativamente através da Internet, facilitando em muito a participação de
todos.
Desta forma, fica evidente que o universo do saber está
passando por um processo de transformação em seus paradigmas. Um efeito
interessante deste processo já começa a ser notado: o próprio comportamento das
pessoas também está sendo modificado por esta "sociedade virtual"
estabelecida há tão poucos anos pelo advento da Internet.
Um ponto interessante a se notar com este processo de
transformação do universo do saber, é como o próprio comportamento das pessoas
também está sendo modificado por esta "sociedade virtual"
estabelecida há tão poucos anos pelo advento da Internet. Estudiosos têm
realizado pesquisas sobre esse comportamento, notando as diferenças que existem
em relação a outros comportamentos de comunicação e interação social. Já
existem até mesmo alguns periódicos internacionais dedicados ao tema, como o
CyberPsychology & Behavior, e o The Journal of Online Behavior. Este último
descreve seus objetivos como sendo "o estudo empírico do comportamento
humano no ambiente on-line, e qual é o impacto da evolução das tecnologias de
informação e comunicação sobre os indivíduos, grupos, organizações e a
sociedade".
Podemos concluir que, para todos os propósitos, a
"sociedade on-line" possibilitada pela Internet, representa uma nova
revolução na esfera da comunicação humana e na extensão dos poderes de nossos
sistemas nervosos por meio da tecnologia. Esta via começou historicamente
quando nossas espécies emergiram milhões de anos atrás, primeiro com o
aprendizado e comunicação por gestos e imitação, e então por um passo poderoso
representado pela aquisição da linguagem, e finalmente, pela invenção da
escrita. A interação eletrônica global transformará radicalmente os nossos
caminhos bem como os nossos cérebros.
A neurociência nunca mais será a mesma."
IN: http://www.cerebromente.org.br/n05/editori5.htm, acessado dia 28.11.2012
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