10 agosto 2012

Para falar a verdade

Tem sido muito esclarecedor e um instrumento de aprendizagem, estar em contato com blogs de familiares que têm filhos com algum graú de dificuldade, deficiência. Já postamos um texto sobre as famílias na rede. E vamos continuar a fazê-lo na medida em que podemos compartilhar informações e sentimentos tão pertinentes à nossa condição de cidadãos e de pessoas envolvidas com a diversidade e inclusão.
Dessa forma hoje, tivemos que escolher entre tantos posts do blog Flizam, um que possa ajudar muitos outros familiares e profissionais. E este escolhido representa para nós da Expansão um marco referencial. Gostaríamos que todos os pais do mundo pensassem assim sobre seus filhos, de sangue ou adotados, com menores ou maiores dificuldades. Com ou sem necessidades especiais.  E fica o convite, para visitar os muitos outros textos no blog do Fábio Ludwig, essas leituras sempre serão enriquecedoras.
A título de esclarecimento: a cada dia temos mais nascimentos de crianças com síndromes raras.






Segue abaixo o texto, e o link.

"O maior motivo para a postagem desta semana não ter saído na segunda-feira é, sem dúvida, a minha desorganização. Porém, a medalha de prata, muito lá atrás, é preciso admitir, vai para uma indagação que certamente já passou pela cabeça de algumas pessoas que acompanham meus textos: será que não estou expondo exageradamente a minha vida, a minha família e, principalmente, o meu filho?
Depois de muito matutar e remoer. Depois de reler um texto ou outro. Depois de passar horas comparando meu blog com outras crônicas da vida íntima, escritas por outras pessoas, cheguei a uma conclusão nada alentadora: sim, estou.
Não há complementos para a resposta. Ela é absoluta, finita e incômoda. Sim, estou. Não sei se isto é bom, mas também não sei se é ruim. Não tenho ideia se daqui a algum tempo estarei satisfeito por ter registrado esta fase única ou se serei mais um na multidão de arrependidos. O fato é que, enquanto instintivamente grande parte dos pais e mães escondem suas crias, eu exponho o meu bem mais valioso para quem quiser ver, feito joia em uma vitrine, protegida apenas por uma fina – e quebrável – lâmina de vidro.
A verdade é que o texto que eu publicaria nesta segunda está pronto há dias (sempre sujeito a últimos retoques, é verdade, por causa do meu incontrolável hábito de nunca achar que tenho o resultado final), mas faz parte de um pequeno grupo de pensamentos que hesitei em compartilhar. É que não foram palavras simples de expelir: foram agressivas. E tocam em um assunto muito difícil para qualquer pai e mãe – será que o seu filho é realmente um ser especial?
Bem, não gosto de suspense que não revela o criminoso. Então, mesmo sem ter certeza se é um texto saudável ou não, decidi que devo publicar. Talvez um dia eu me arrependa, talvez logo discorde das minhas próprias ideias. Mas pensando bem, este blog nunca existiria se eu fosse guiado pelo medo de errar.

Lá vai.
*
Para falar a verdade

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. É como os outros. Mais um na multidão. Um número no ciclo da vida. Como todo ser humano, pouco mais do que um animal. 

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. Nem mesmo pelos cabelos que viram para o lado, nem mesmo pelos dedos gordinhos das mãos. As suas lágrimas são salgadas. O seu sangue é vermelho. Não há nada de muito específico. O habitual. 

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. Precisa de água pra viver. Precisa de ar pra respirar. Precisa dos outros. Precisa de amor. Natural. 

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. Acorda dezenas de vezes por noite. Suja as fraldas como toda criança. Treme de frio. Grita de dor. De fato, você tem um cheiro inebriante, mas isto todos os bebês têm. É o usual.

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. Exceto, talvez, quando percebe que cheguei em casa e, mesmo sem saber se virar para mim, fica petrificado, prestando atenção em minha voz, esperando meu beijo, como se já soubesse o que está por vir. E depois de beijado, me olha nos olhos, com a boca entreaberta e um meio sorriso. É o nosso cumprimento. Quase um ritual.
Para falar a verdade, você não tem nada de especial. A não ser quando começa a rir antes mesmo de eu terminar de tirar a sua roupa para tomarmos banho. E ainda no meu colo, olha fixo em direção ao banheiro, onde a água já cai do chuveiro e nos aguarda, morna. Você abre o seu melhor sorriso aos primeiros respingos. Testa a água com a palma de uma das mãos e se encolhe sobre mim, em arrepios. Mergulhamos, conversamos, brincamos mais do que nos lavamos. No fim, entrego você para sua mãe, que o abraça pelas costas com a toalha e é recebida às gargalhadas, não sabemos ao certo se de cócegas ou de felicidade. Realmente um banho como outro qualquer. Sem dia marcado. Casual.
Para falar a verdade, você não tem nada de especial. A não ser pelo fato de andar na bicicleta que eu te dei sem ter a menor ideia da função de um pedal. Reclama do sol na cara. E olha para cima, hipnotizado, quando passamos pela sombra de uma árvore. Adora descidas, ainda mais quando vamos rápido. E se paramos de empurrar, você bate as pernas com impaciência, como se mandasse o seu cavalo seguir em frente. Um cavalo verde-limão, é interessante notar. E sobre o qual às vezes você dorme, bem no meio do passeio. Mas tudo bem. Não faz mal.
Para falar a verdade, você não tem nada de especial. A não ser por divertir-se como nunca quando faço o seu pinguim inflável girar na sua frente. Ou por sorrir toda santa vez que imito um animal, especialmente o cavalo, o dinossauro e o tubarão. Por sentar no meu colo com os olhos arregalados, e segurar o meu rosto com as mãos, e ficar balançando a minha cara para os lados, como se eu fosse uma bola. A expressão no seu olhar, não tem igual. 

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. A não ser por ter-me feito sofrer de um jeito que jamais pensei que pudesse aguentar. E por ter-me feito repensar toda a minha a vida. Por ter redimensionado a importância das coisas realmente fundamentais, como a saúde, a família e o trabalho. E por ter-me obrigado a voltar a ficar em pé, para ter condições de te criar. 

Para falar a verdade, você não tem nada de especial. A não ser por me fazer mais feliz do que jamais pude imaginar, mesmo sem ter a menor ideia de quando você será capaz de me chamar de pai. Mesmo sem saber se um dia você conseguirá andar. Mesmo sem ter o direito de saber o que esperar de você. E ainda assim, todos os dias, esperar.

Nada de especial. A não ser por ter tirado os meus olhos do amanhã. E de ter feito eu aproveitar um pouco mais de cada dia que vivo. 

Nada de especial. A não ser por ter os olhos mais doces que já vi.
Realmente, nada de especial.
A não ser por este detalhe que é ser uma criança com necessidades especiais.
E por ser impossível, impossível de não amar."

In: http://www.flizam.com/2012/07/para-falar-verdade.html. Acessado dia 10 de Agosto de 2012


2 comentários:

  1. Nossa é foi forte!!!Derramei-me em lágrimas...Lindo amiga!!!Esse pai é um poeta!!!

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  2. Lindo!!! Isto não é nada de especial, a não ser por se tratar de um amor maior que o mundo!!!!

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