17 janeiro 2012

Labirintos do Cérebro


A pesquisa relacionada ao cérebro está prestes a se tornar a disciplina líder do século XXI, como era a Física há 100 anos.

Nas últimas décadas, os avanços obtidos nessa matéria permitiram que, pela primeira vez na história humana, pudéssemos observar o que passa pelo cérebro enquanto tomamos uma decisão, meditamos, rimos, sentimos medo, rezamos, fazemos sexo, e assim por diante.
Isso abre aos pesquisadores horizontes completamente novos e, ao despertar o crescente interesse do homem pelo autoconhecimento, estimula ao mesmo tempo o desenvolvimento de uma ampla cadeia interdisciplinar de informações que passam a interessar, cada vez mais, também ao público leigo.
Essa é a constatação do biofísico alemão Carsten Könneker, Ph.D. em Física pela Universidade de Colônia, que nos últimos dois anos tem registrado, e estimulado, na revista "Gehirn&Geist" (Mente & Cérebro), editada na Alemanha pelo Grupo Scientific American, a crescente ampliação das abordagens que tentam explicar o comportamento humano por meio de diferentes disciplinas, que enfocam conjuntamente os aspectos neurológicos e emocionais.

Segundo Könneker, embora o interesse em relação a esse tema não seja novo - "as origens da alta cultura humana refletem isso, como a filosofia grega e sua ânsia de saber mais sobre a mente, o ego, a alma, o eu, e assim por diante", ele afirma -, desta vez o nosso conhecimento sobre essas questões está muito próximo de um boom em todo o mundo.

Könneker diz que a cada dia surgem novas técnicas e que há uma disposição crescente de diferentes disciplinas científicas em compartilhar com outras especialidades o conhecimento que acumularam sobre a mente e o cérebro humanos de forma que possam trabalhar em conjunto em novos projetos de pesquisa. "O imenso progresso que a neurobiologia trouxe para a humanidade em relação a esses assuntos também instiga e desafia as disciplinas mais tradicionais que focalizam a questão do que nos torna humanos, como a psicologia ou a filosofia.
Por esse motivo, vemos na Europa e nos Estados Unidos um número cada vez maior de programas de pesquisa interdisciplinares voltadas para a mente e o cérebro, nos quais psicólogos, lingüistas, médicos, terapeutas, biólogos, entre outros, trabalham juntos."

Esse constitui um dos desafios mais palpitantes entre os estudiosos, segundo o biofísico, para quem fica cada vez mais comprovada a impossibilidade de esgotar todos os recursos necessários à abordagem do ser humano na prevenção de doenças e na promoção da saúde utilizando um único aspecto do conhecimento. Desde a "descoberta" da psicossomática, até as recentes pontes criadas entre a psicanálise e as neurociências, cada vez mais profissionais vêm reafirmando a necessidade de um diálogo interdisciplinar.
Isso porque, no entendimento desses especialistas, os complexos comportamentos humanos requerem abordagens igualmente complexas, que envolvem as diferentes disciplinas que se dedicam a decifrar as maneiras pelas quais pensamos e agimos, na tentativa de construir um quadro capaz de fornecer inteligibilidade ao nosso mundo interior.
"O avanço da neurociência trouxe a união de diferentes disciplinas como a psicologia, a lingüística, a medicina e a biologia, que passaram a compartilhar conhecimentos e a trabalhar em conjunto em novos projetos de pesquisa", relata Könneker.
"Hoje, em praticamente todas as grandes cidades do mundo, há grupos interdisciplinares reunindo representantes de campos antes distantes, e muitas vezes contrários, da neurociência e da psicanálise." Trabalhando em conjunto com a psicanálise, neurocientistas descobriram, por exemplo, que as descrições biológicas do cérebro funcionam melhor se combinadas às teorias delineadas por Sigmund Freud há um século.
Os estudiosos revelaram provas de algumas das teorias do criador da psicanálise e desvendaram os mecanismos mentais descritos por ele. A neurociência mostrou que as principais estruturas cerebrais essenciais para a formação de memórias conscientes não são funcionais durante os primeiros anos de vida, explicando o que Freud chamou de amnésia infantil. Como supôs o pensador austríaco, não é que tenhamos esquecido nossas lembranças mais antigas; simplesmente não conseguimos trazê-las de volta à consciência. Mas essa incapacidade não as impede de afetar os sentimentos e o comportamento adultos.
A abordagem interdisciplinar, segundo Könneker, está refletida na cobertura das questões científicas pelos meios de comunicação. Ele diz que hoje, as diferentes mídias abordam os temas da consciência, livre arbítrio, emoções e doenças psicológicas ou psiquiátricas, reunindo os pontos de vista de diferentes especialidades numa linguagem acessível mesmo para aqueles que não estudaram psicologia, medicina ou biologia. "Há um crescente interesse das pessoas em todo o mundo sobre questões que tentam explicar o comportamento humano com base nos aspectos emocionais e neurológicos.


E isso impulsiona toda uma cadeia de informação voltada também para o público leigo, que envolve os vários meios de comunicação." De acordo com Könneker, que falou com exclusividade para o "Fim de Semana", quando esteve em SP para o lançamento de "Viver Mente & Cérebro"-  a edição brasileira da "Gehirn&Geist"-  existem em quase todos os países europeus, além de publicações especializadas, diversos programas de rádio e de TV que cobrem questões científicas, indo da astrofísica à zoologia, incluindo arqueologia, química e alta tecnologia, além de pesquisa sobre o cérebro e psicologia.
"Hoje existe uma expectativa claramente definida em todo o mundo por parte do público interessado nesse tipo de publicações e programas", diz o biofísico. "Essas pessoas buscam abordagens idôneas, informativas e interdisciplinares, cujos autores sejam em sua maioria cientistas de ponta, que as ajudem a conhecer melhor a si mesmas."
Ele destaca que nesse mercado existem várias publicações cujo enfoque se restringe quase que exclusivamente à psicologia - como a "Psychologie Heute", na Alemanha, ou a "Psychology Today", nos Estados Unidos - e umas poucas que refletem as abordagens interdisciplinares, como a revista "Neuro-Psychoanalysis", editada pela Sociedade Internacional de Neuropsicanálise, além da própria "Gehirn&Geist", que além da Alemanha é publicada também na França, Itália, Espanha, Polônia e Estados Unidos, e agora chega ao Brasil editada pela Duetto Editorial.
Könneker justifica o interesse do público por essas novas abordagens. "Quem não se fascina pela capacidade que o cérebro humano tem para cumprir tarefas relacionadas com memória, aprendizado, linguagem, fé, humor e capacidade de perceber o que os outros pensam?", pergunta, lembrando que esse fascínio levanta também questões que até há pouco tempo não estavam entre as preocupações dos estudiosos.
"Alguns pesquisadores de ponta que estudam o cérebro alegam que essa disciplina pode até modificar nossa visão tradicional do gênero humano. Alguns defendem, por exemplo, que não há mais o livre arbítrio, porque as decisões que tomamos são preparadas pelo nosso cérebro. Se isso se tornar um juízo comum", conclui, "haverá um forte impacto sobre nosso sistema legal e, certamente, reflexos importantes no aspecto religioso."

Fonte: (Gazeta Mercantil, 1/10)
In: http://www.sbneurociencia.com.br/html/a9.htm, acesso em 16.11.2012

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