Nas últimas décadas, os avanços obtidos nessa matéria permitiram
que, pela primeira vez na história humana, pudéssemos observar o que passa pelo
cérebro enquanto tomamos uma decisão, meditamos, rimos, sentimos medo, rezamos,
fazemos sexo, e assim por diante.
Isso abre aos pesquisadores horizontes completamente novos e, ao
despertar o crescente interesse do homem pelo autoconhecimento, estimula ao
mesmo tempo o desenvolvimento de uma ampla cadeia interdisciplinar de
informações que passam a interessar, cada vez mais, também ao público leigo.
Essa é a constatação do biofísico alemão Carsten Könneker, Ph.D. em
Física pela Universidade de Colônia, que nos últimos dois anos tem registrado,
e estimulado, na revista "Gehirn&Geist" (Mente & Cérebro),
editada na Alemanha pelo Grupo Scientific American, a crescente ampliação das
abordagens que tentam explicar o comportamento humano por meio de diferentes
disciplinas, que enfocam conjuntamente os aspectos neurológicos e emocionais.
Segundo Könneker, embora o interesse em relação a esse tema não
seja novo - "as origens da alta cultura humana refletem isso, como a
filosofia grega e sua ânsia de saber mais sobre a mente, o ego, a alma, o eu, e
assim por diante", ele afirma -, desta vez o nosso conhecimento sobre
essas questões está muito próximo de um boom em todo o mundo.
Könneker diz que a cada dia surgem novas técnicas e que há uma
disposição crescente de diferentes disciplinas científicas em compartilhar com
outras especialidades o conhecimento que acumularam sobre a mente e o cérebro
humanos de forma que possam trabalhar em conjunto em novos projetos de
pesquisa. "O imenso progresso que a neurobiologia trouxe para a humanidade
em relação a esses assuntos também instiga e desafia as disciplinas mais
tradicionais que focalizam a questão do que nos torna humanos, como a
psicologia ou a filosofia.
Por esse motivo, vemos na Europa e nos Estados Unidos um número
cada vez maior de programas de pesquisa interdisciplinares voltadas para a
mente e o cérebro, nos quais psicólogos, lingüistas, médicos, terapeutas,
biólogos, entre outros, trabalham juntos."
Esse constitui um dos desafios mais palpitantes entre os
estudiosos, segundo o biofísico, para quem fica cada vez mais comprovada a
impossibilidade de esgotar todos os recursos necessários à abordagem do ser
humano na prevenção de doenças e na promoção da saúde utilizando um único
aspecto do conhecimento. Desde a "descoberta" da psicossomática, até
as recentes pontes criadas entre a psicanálise e as neurociências, cada vez
mais profissionais vêm reafirmando a necessidade de um diálogo
interdisciplinar.
Isso porque, no entendimento desses especialistas, os complexos
comportamentos humanos requerem abordagens igualmente complexas, que envolvem
as diferentes disciplinas que se dedicam a decifrar as maneiras pelas quais
pensamos e agimos, na tentativa de construir um quadro capaz de fornecer
inteligibilidade ao nosso mundo interior.
"O avanço da neurociência trouxe a união de diferentes
disciplinas como a psicologia, a lingüística, a medicina e a biologia, que
passaram a compartilhar conhecimentos e a trabalhar em conjunto em novos projetos
de pesquisa", relata Könneker.
"Hoje, em praticamente todas as grandes cidades do mundo, há
grupos interdisciplinares reunindo representantes de campos antes distantes, e
muitas vezes contrários, da neurociência e da psicanálise." Trabalhando em
conjunto com a psicanálise, neurocientistas descobriram, por exemplo, que as
descrições biológicas do cérebro funcionam melhor se combinadas às teorias
delineadas por Sigmund Freud há um século.
Os estudiosos revelaram provas de algumas das teorias do criador da
psicanálise e desvendaram os mecanismos mentais descritos por ele. A
neurociência mostrou que as principais estruturas cerebrais essenciais para a
formação de memórias conscientes não são funcionais durante os primeiros anos
de vida, explicando o que Freud chamou de amnésia infantil. Como supôs o
pensador austríaco, não é que tenhamos esquecido nossas lembranças mais
antigas; simplesmente não conseguimos trazê-las de volta à consciência. Mas
essa incapacidade não as impede de afetar os sentimentos e o comportamento
adultos.
A abordagem interdisciplinar, segundo Könneker, está refletida na
cobertura das questões científicas pelos meios de comunicação. Ele diz que
hoje, as diferentes mídias abordam os temas da consciência, livre arbítrio,
emoções e doenças psicológicas ou psiquiátricas, reunindo os pontos de vista de
diferentes especialidades numa linguagem acessível mesmo para aqueles que não
estudaram psicologia, medicina ou biologia. "Há um crescente interesse das
pessoas em todo o mundo sobre questões que tentam explicar o comportamento
humano com base nos aspectos emocionais e neurológicos.
E isso impulsiona toda uma cadeia de informação voltada também para
o público leigo, que envolve os vários meios de comunicação." De acordo
com Könneker, que falou com exclusividade para o "Fim de Semana",
quando esteve em SP para o lançamento de "Viver Mente & Cérebro"-
a edição brasileira da
"Gehirn&Geist"- existem em
quase todos os países europeus, além de publicações especializadas, diversos
programas de rádio e de TV que cobrem questões científicas, indo da astrofísica
à zoologia, incluindo arqueologia, química e alta tecnologia, além de pesquisa
sobre o cérebro e psicologia.
"Hoje existe uma expectativa claramente definida em todo o
mundo por parte do público interessado nesse tipo de publicações e
programas", diz o biofísico. "Essas pessoas buscam abordagens
idôneas, informativas e interdisciplinares, cujos autores sejam em sua maioria
cientistas de ponta, que as ajudem a conhecer melhor a si mesmas."
Ele destaca que nesse mercado existem várias publicações cujo
enfoque se restringe quase que exclusivamente à psicologia - como a
"Psychologie Heute", na Alemanha, ou a "Psychology Today",
nos Estados Unidos - e umas poucas que refletem as abordagens interdisciplinares,
como a revista "Neuro-Psychoanalysis", editada pela Sociedade
Internacional de Neuropsicanálise, além da própria
"Gehirn&Geist", que além da Alemanha é publicada também na
França, Itália, Espanha, Polônia e Estados Unidos, e agora chega ao Brasil
editada pela Duetto Editorial.
Könneker justifica o interesse do público por essas novas
abordagens. "Quem não se fascina pela capacidade que o cérebro humano tem
para cumprir tarefas relacionadas com memória, aprendizado, linguagem, fé,
humor e capacidade de perceber o que os outros pensam?", pergunta,
lembrando que esse fascínio levanta também questões que até há pouco tempo não
estavam entre as preocupações dos estudiosos.
"Alguns pesquisadores de ponta que estudam o cérebro alegam
que essa disciplina pode até modificar nossa visão tradicional do gênero
humano. Alguns defendem, por exemplo, que não há mais o livre arbítrio, porque
as decisões que tomamos são preparadas pelo nosso cérebro. Se isso se tornar um
juízo comum", conclui, "haverá um forte impacto sobre nosso sistema
legal e, certamente, reflexos importantes no aspecto religioso."
Fonte: (Gazeta Mercantil, 1/10)
In: http://www.sbneurociencia.com.br/html/a9.htm,
acesso em 16.11.2012
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