30 janeiro 2012

A ciência do Otimismo - parte I

Pesquisas mostram que 80% das pessoas têm uma tendência natural para o comportamento positivo. E que ele protege de doenças, alimenta a autoestima e até melhora relacionamentos

Rachel Costa

2012 mal começou e já carrega uma série de prognósticos preocupantes. A crise econômica mundial não deve arrefecer e, na Europa, a situação dos países da zona do euro está cada vez pior. O crescimento projetado para o Brasil é bem menor que o registrado nos últimos tempos e há até quem acredite, lançando mão de um calendário maia, que este será o derradeiro ano da nossa existência sobre o planeta. Nada animador. Apesar dos tons acinzentados dessas previsões, boa parte dos brasileiros entrou o ano imerso em boas expectativas. Basta checar os números recém-divulgados do Barômetro Global do Otimismo, uma pesquisa mundial que mede a presença desse sentimento pelo mundo, para constatar que a onda “pra frente Brasil” toma conta do País: 74% da população acredita que, sim, apesar de todas as sinalizações pessimistas, 2012 será melhor que 2011. E nem adianta evocar a crise mundial ou desfiar dados negativos da economia, pois 60% dos entrevistados estão confiantes de que os próximos 12 meses serão um período de prosperidade econômica.

De um lado a expectativa, de outro, a realidade. A aparente disparidade entre esses dois ângulos, acredite, não é um erro de cálculo. Pelo contrário, é uma elaborada estratégia do nosso cérebro para nos fazer seguir adiante. A artimanha atende pelo nome de “viés otimista” – a tendência dos nossos neurônios de pender para o otimismo ao projetar o futuro. A boa notícia é que esse modus operandi não é exclusividade de alguns poucos. Estima-se que essa seja a dinâmica cerebral de 80% das pessoas. E os impactos do otimismo, comprova a ciência, vão bem além de sonhar com um futuro melhor. Ele aumenta a autoestima, facilita os relacionamentos, movimenta a economia e faz bem à saúde.
                  
“Estou mais madura na relação e escolhi
alguém dentro do perfil que eu queria”
OTIMISTA NO AMOR
Gisela Rao, que após dois casamentos frustrados não teve medo de encarar um novo matrimônio e
                        se prepara para subir ao altar com Beto                          

Intrigada com a tendência do cérebro humano de enxergar o amanhã como uma grande promessa, a neurocientista Tali Sharot, da University College London, no Reino Unido, dedicou-se a compreender o fenômeno e descobriu que há uma certa dose de conveniência no nosso comportamento. “Não é que não pensemos em coisas ruins para o futuro, mas sim que nossos neurônios são eficientes ao armazenar as expectativas boas, mas falham ao incorporar informações ligadas às expectativas ruins”, disse à ISTOÉ. Como resultado dessa equação desequilibrada, pendemos para o otimismo. Parece difícil acreditar? “Experimente projetar quantos anos você viverá”, provoca a cientista. “A maior parte das pessoas superestima a expectativa de vida em 20 anos ou mais” (entre os brasileiros, por exemplo, a expectativa de vida é de 73 anos). Da mesma forma, é difícil alguém se casar achando que vai se separar, embora 40% das uniões no Brasil terminem na primeira década.

Tali foi além e mapeou o que ocorria no cérebro durante a elaboração dos pensamentos positivos. Quando eles ocorrem, há uma queda na atividade do córtex pré-frontal, região responsável por monitorar a diferença entre a realidade e o que imaginamos para o futuro. Quanto maior o grau de otimismo, menor a atividade nessa área, gerando o fenômeno descrito pela pesquisadora. Tudo isso é um mecanismo de autoproteção. “Entre os animais, somos os únicos que temos a noção de finitude”, diz o neurocientista Antônio Pereira, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Ter ciência dessa condição poderia nos impedir de realizar projetos futuros, em especial aqueles de longo prazo.” Assim, durante a evolução, nosso cérebro aprendeu a esperar sempre mais do amanhã. A falha desse mecanismo, para Tali, vem acompanhada dos quadros de depressão – que estariam representados justamente por aqueles 20% de pessoas em que não se observa o “viés otimista”.
Se não acreditasse que o mundo seria diferente, certamente o designer carioca Flávio Deslandes, 39 anos, teria abandonado, em 1995, o ousado projeto que lhe ocupava a cabeça: construir bicicletas de bambu. “Ouvi de professores que era loucura, que não iria dar certo”, diz. Afinal, ele havia escolhido um material tido como de segunda linha (o bambu) e um produto com pouco glamour (à época, usar bike como meio de transporte era associado à falta de dinheiro). Mesmo assim, Deslandes seguiu na empreitada e, em 2000, sua bicicleta de bambu estava à venda na Dinamarca, país onde foi morar. Desde então, a ideia vem recebendo vários prêmios de design e ganhando fama mundial como uma alternativa ecológica para o transporte. “O otimismo nos faz assumir riscos e, com isso, avançar”, avalia o psiquiatra Irismar Reis de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia.


Ouvi de professores que era loucura, que não iria
dar certo, mas eu acreditava na ideia e resolvi tentar”
OTIMISTA EMPREENDEDOR
Flávio Deslandes, empresário que fabrica bicicletas de bambus premiadas no mundo inteiro


Parte dessa força motriz capaz de alterar até o funcionamento de nossos cérebros está guardada em nossos genes. Alguns deles controlam o transporte de serotonina, neurotransmissor que tem, entre outras, a função de regular o humor e o comportamento das pessoas. Já era de conhecimento dos cientistas que falhas nesse gene aumentavam as chances de depressão após eventos negativos. Um passo além, porém, foi dado por pesquisadores da Universidade de Essex, no Reino Unido, que descobriram outra alteração no mesmo gene 5-HTTLPR, que faz as pessoas enxergar melhor as coisas boas – literalmente. No experimento, 97 voluntários buscavam por um ponto em meio a imagens que podiam ter conteúdo positivo, negativo ou neutro. Quem tinha a alteração, demorava mais para encontrar o ponto nas imagens com remissão a coisas ruins e era mais rápido nas cenas positivas. “Como se tivessem uma espécie de aversão às imagens negativas”, compara Elaine Fox, coordenadora da pesquisa. Agora, os cientistas buscam outros mecanismos genéticos que expliquem por que algumas pessoas são naturalmente otimistas. “Não existe um único gene do otimismo”, afirmou Elaine à ISTOÉ. “O 5-HTTLPR é apenas um que conseguimos descrever o funcionamento.”

Enquanto esse quebra-cabeça biológico não é decifrado, outra aposta é na criação de métodos para ensinar o otimismo. O expoente dessa busca é o americano Martin Seligman, pai da psicologia positiva, disciplina criada por ele na década de 1980. Incomodado pela profusão dos estudos sobre doenças mentais na psicologia, Seligman se propôs a abandonar a patologia e pesquisar o lado bom da vida. Otimista nato, ele dedicou seus últimos 30 anos a enumerar os benefícios do comportamento positivo. Em suas pesquisas, os políticos otimistas ganham mais eleições, os estudantes otimistas têm melhores notas e os atletas otimistas vencem mais competições. E, para desespero dos pessimistas, a falta do gene do otimismo não é desculpa. É possível alterar o comportamento de uma pessoa para torná-la mais otimista, garante a psicologia positiva. “Otimismo é crer que as situações ruins são temporárias”, define Daniela Barbieri, presidente
da Associação de Psicologia Positiva da América Latina. “É possível aprender a ter essa reação por meio da identificação e do monitoramento do pensamento negativo”, esclarece. A fórmula é simples. Antes de decretar que não vai dar certo, pense se não há alternativas menos aterrorizantes.




.....continua parte II

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