Experimento realizado na Universidade de Notre Dame revela que cruzar portas provoca o esquecimento
Eis um
cenário: você está atolado em tarefas no trabalho.
Olha para a montanha de papéis na sua mesa e um deles indica que você precisa
ir ao terceiro andar, falar com um outro membro da equipe e trazer um documento
de volta. Como você está apenas dois andares acima e entrou na academia de
ginástica na semana passada, decide descer dois lances de escada em vez de
pegar o elevador. Você dá um último gole no seu copo de café, fecha a gaveta e
sai da sala com seu celular na mão.
Planta-baixa do ambiente de testes do laboratório de Notre Dame
No caminho, um colega para e lhe cumprimenta, trocando 2 minutos de conversa
com você. Alguns minutos depois, você está de frente para o seu outro colega no
terceiro andar e, por um segundo, fica em dúvida se era sobre a tarefa 1 ou não
a tarefa 11 do projeto que você foi tratar e qual documento você deve levar de
volta. Então, você diz que já volta e parte para a sua sala novamente para ter
certeza.
Segundo a psicologia moderna, o que ocorreu foi o seguinte: a informação
correta não foi relevantemente bem registrada, você não prestou atenção ou
tomou notas sobre o que exatamente devia fazer, não atribuiu o real valor da
tarefa à sua atenção, que há fadiga, stress, muito café ou simplesmente passou
tempo demais e muitas coisas pela sua cabeça, causando a incerteza quando você
já estava longe de poder confirmar tudo.
Um
estudo
publicado pela
Universidade de Notre Dame evidencia um cenário
completamente diferente para esses pequenos lapsos de memória e eles tem a ver
com a quantidade de portas que você cruzou do ponto A ao ponto B. Isso mesmo:
as portas. Gabriel Radvansky, Sabine Krawietz e Andrea Tamplin não poderiam ser
mais concisos e diretos já com o título do
paper: “
Cruzar
portas provoca o esquecimento“.
Três experimentos foram executados com a finalidade de medir o potencial de
retenção e recuperação da memória dos participantes após a condução de uma
sistemática dinâmica.
O primeiro
experimento consistia de 51 pessoas (31
mulheres) posicionadas diante de um ambiente virtual projetado em um monitor de
17″, tal qual um video-ame em primeira pessoa que foi criado com a ajuda do
software da
Valve
Hammer (Half-Life), no qual navegariam por 55 salas e corredores através
das setas direcionais do teclado.
O objetivo do ‘jogo’ era entrar em uma sala e pegar uma forma geométrica
colorida que ficava sobre uma mesa, navegar por entre os corredores até outras
salas e trocar por outros objetos deixados sobre as outras mesas. Ao pegar o
objeto e transporta-lo de um lugar para outro, o participante teria então a
impressão de carregá-lo como se numa mochila virtual em suas costas, uma vez
que não poderia vê-lo durante o percurso após retira-lo de uma mesa/sala e
partir para outro ambiente.
Algumas vezes, a distância era bem curta, de apenas uma sala logo à frente
de outra. Em outras, tinham de percorrer percursos mais longos e complexos, a
cruzar diversas portas e corredores. De tempos em tempos, os pesquisadores
faziam perguntas ao participante indagando sobre qual objeto (forma geométrica)
ele carregava ‘nas costas’.
Em ambos os dois primeiros estudos, sendo o primeiro com um monitor CRT de
17″ polegadas e o segundo experimento seguindo a mesma dinâmica, porém, com 60
pessoas (28 mulheres) navegando em um monitor de tela plana com 66″ polegadas,
os resultados foram muito parecidos: as respostas se tornavam cada vez mais
lentas e imprecisas em proporção à quantidade de portas que os participantes
cruzavam durante seus trajetos.
Um terceiro estudo levou 48 participates (28 mulheres) a ambientes reais —
não virtuais — onde os objetos eram visualizados sobre as mesas e depois
colocados dentro de uma caixa de sapatos, sendo então carregados e substituídos
por outros sobre novas mesas, em diversas salas do laboratório. Os indicadores
apontavam na mesma direção, uma vez que as respostas iam se degenerando e
empobrecendo à medida que uma quantidade maior de portas eram cruzadas na
consecução das tarefas.
Salas/corredores virtuais de R.V.
Para ter certeza de que o cruzar de portas estava a provocar o esquecimento,
ao invés da presunção elementar de outras teorias que apregoam que nós nos
lembramos melhor de eventos nos lugares onde eles originalmente ocorreram (
Princípio da
Especificidade da Codificação), os cientistas compararam as duas primeiras
experimentações em realidade virtual (R.V.) com aquela última em um ambiente
real.
Não era apenas a distinção entre contextos ambientais que provocava o
“efeito de portas” na memória. Nos estudos feitos em R.V. os participantes às
vezes pegavam um objeto, atravessavam uma porta e andavam em direção a uma
segunda porta que os levava diretamente para a primeira sala, onde eles pegaram
o objeto pela primeira vez.
Se a conjunção de contextos espaciais era o que contava para que a memória
fosse “reativada” como precisão, os participantes deveriam se lembrar de
quaisquer detalhes da sala original e imediatamente dispararem seus registros
de memória. Isso não aconteceu.
A experiência com o
Efeito das Portas sugere que estão
implicados outros fatores que vão bem além de apenas prestarmos atenção à
detalhes, como algo aconteceu e o quanto nos esforçamos para nos lembrar.
Mais ainda, os pesquisadores sugerem que alguns tipos de memória têm um
tempo útil e neuro-disponibilidade limitados apenas à certos contextos e por
períodos de tempo diferentes daqueles que imaginamos, sendo rapidamente
purgadas (deletadas) por eventos em particular e para darem lugar à novas
memórias, mais úteis.
Radvansky e seus colegas chamam este tipo de
compartimentação da memória de “
Modelo de Eventos” e propõe
que, neurologicamente, o registro de se passar por entre uma porta pode
disparar uma resposta parecida com a de se deletar a memória cache do
computador, fazendo com o que foi capturado na sala anterior, perca
progressivamente a relevância na próxima ‘sala’.
Para mim, o curioso foi que há muitos anos eu estudei em aula um sistema
chamado
Método de Ioci (popularmente
conhecido como A Sala Romana) que imediatamente me remeteu ao estudo em
questão. (Sugestão do Blog da Expansão: leia sobre o Método de Ioci neste link:
http://saude.hsw.uol.com.br/10-maneiras-de-melhorar-a-memoria8.htm)
Aliás é um sistema mnemônico extremamente eficiente, embora exija trabalho e
tenha uma certa complexidade que pode durar alguns anos. O personagem
Hannibal
Lecter era um proficiente mestre “cruzador de portas” pelo Método de
Ioci.
De acordo com os registros históricos, o poeta Simonides introduziria aos
antigos tratados da retórica romana um sistema para que se memorizassem vastos
montantes de dados através da associação, organização e recuperação de
informações com determinados ambientes espaciais. Nesse caso, uma intrincada
construção arquitetônica de ambientes e detalhes, envolvendo símbolos, imagens,
personagens, caracteres, sensações e canais sensoriais.
O método, curiosamente, atenta em diversas de suas menções para o modo correto
de se “caminhar” por entre os ‘
Halls do grande palácio’ para recuperar
detalhes incrivelmente precisos, devendo-se ter uma atenção especial com o modo
que se deve passar por entre arcos e portas, assim como também é observado pelo
estudo mencionado aqui.
Ah, a beleza da ciência que se reencontra em diferentes épocas da história.
Com informações: Taylor
Francis Online
In: http://tecnoblog.net/85333/atravessar-portas-causa-esquecimento/?mid=5533
acessado em 15.12.2011
Gostei ! Quanto mais imagens, menos foco de concentração. Até um número exagerado de um determinado assunto pode trazer dúvidas.
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