"Experiência do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis comprova a
transferência de atividades elétricas cerebrais entre dois roedores.
Na prática, os animais trocaram informações para resolver tarefas
à distância. Esse é apenas o primeiro passo para a chamada internet
cerebral. Quem dá os detalhes do estudo é o próprio pesquisador."
Marcos Grinspum Ferraz
"Imagine uma internet cerebral, na qual é possível
se conectar às
outras pessoas sem precisar falar, visualizar uma
tela ou mesmo
digitar em qualquer tipo de teclado ou monitor
touch sreen. Se
depender do neurocientista brasileiro Miguel
Nicolelis, essa idéia,
aparentemente fantasiosa, poderá um dia se tornar
realidade.
Mais surpreendente do que isso: os primeiros passos
em direção
a essa intenção já estão dados. Em estudo recente,
que chamou a
atenção da comunidade científica e da mídia
internacional,
Nicolelis conseguiu conectar, como nunca antes foi
feito, os cérebros
de dois ratos que estavam em continentes
diferentes, fazendo com
que eles colaborassem na resolução de um problema.
O trabalho, publicado na Scientific Reports, é parte de
uma
nova linha de pesquisa batizada de Interface
Cérebro-Cérebro (ICC), uma variante da Interface
Cérebro-Máquina (ICM), com a qual Nicolelis e seu
grupo já trabalham há anos no Centro Médico da
Universidade de Duke (Durham, EUA) e no Instituto
Internacional de Neurociências de Natal (Rio Grande do Norte).
De maneira resumida, a ICM possibilita a transmissão da atividade
elétrica do cérebro para algum receptor à distância, o que
significa
transformar pensamentos em comandos digitais que possam ser
“compreendidos” pelas máquinas. A ICC, por sua vez, é a
transferência das mesmas atividades elétricas, mas entre dois ou
mais cérebros.
A ideia do cientista em desenvolver a pesquisa com ICC surgiu
por volta de 2005, segundo ele, mas foi só em 2010 que Nicolelis
escreveu pela primeira vez sobre o conceito de Brain Net
(a internet cerebral). No mesmo ano, começou a colocar em
prática experiências com ratos. O estudo progrediu rapidamente
e chega agora aos primeiros resultados.
Carolina Kunicki, da
equipe de Miguel Nicolelis, verifica o registro das
atividades cerebrais
dos ratos enquanto executam suas tarefas
A experiência
Na prática, o grupo
do cientista possibilitou que os dois roedores
se comunicassem para
resolver tarefas simples. No experimento,
um animal no Brasil,
designado “codificador”, tinha duas alavancas
à frente e uma luz
sinalizava qual delas ele deveria pressionar para
receber uma
recompensa líquida. Os impulsos, captados por meio
de microeletrodos
implantados no cérebro do rato, foram
transmitidos ao rato
“decodificador”, que estava nos EUA.
Ele tinha os mesmos tipos
de alavanca à frente, mas nenhuma
indicação luminosa.
Para acertar a tarefa e receber a recompensa,
o segundo roedor
dependia, portanto, do sinal transmitido pelo primeiro.
No experimento, um
roedor localizado no Brasil, chamado codificador,
tinha duas alavancas
à frente e uma luz sinalizava qual delas
le deveria
pressionar para receber uma recompensa.
Os impulsos,
captados por meio de microeletrodos implantados
no cérebro dele,
foram transmitidos para o rato que estava nos EUA,
que tinha os mesmos
tipos de alavanca à frente, mas nenhuma
indicação luminosa.
para acertar a alavanca, o segundo roedor
dependia do sinal
transmitido pelo primeiro. quando o rato nos
EUA errava, o do Brasil
alterava seu comportamento na tentativa
de ajudá-lo.
Como os animais
cooperaram para resolver o problema com grau
de até 70% de
acerto, os autores da pesquisa afirmam que foi
estabelecida uma
ligação direta e sofisticada entre dois cérebros.
Ocorreu também que,
quando o “decodificador” errava, o “codificador”
alterava seu
comportamento para tentar ajudá-lo na resolução da tarefa,
o que significa que
houve comunicação de mão dupla. Segundo Nicolelis,
esse tipo de ligação
pode se tornar a base de uma espécie de computador
orgânico: “Significa
que nós criamos uma nova plataforma experimental
na confluência da
neurociência e da ciência da computação, que pode
ser usada tanto para
explorar mecanismos básicos do cérebro como
novas arquiteturas
computacionais convencionais”, explicou, em
entrevista à
INOVAÇÃO!Brasileiros.
Melhor que o cérebro
eletrônico
Para levar adiante a pesquisa, o cientista aponta os próximos passos.
De um lado, serão
feitos testes com uma rede maior de cérebros, com
quatro ratos
interconectados, que poderão comprovar ou não a hipótese
de que “mais cabeças
juntas pensam melhor”. De outro lado, o
pesquisador já
começou a realizar trabalhos com macacos, que podem
ser treinados em
tarefas mais elaboradas e, assim, usar mensagens mais
complexas para serem
transmitidas pela ICC. O neurocientista argumenta
que esse tipo de
“rede de cérebros” tem a potencialidade de realizar tarefas
que um computador
normal não faria.
“Existem certos
problemas que uma máquina não consegue realizar. E são
problemas que
cérebros de mamíferos têm muita facilidade em resolver e
envolvem a
habilidade de adaptação a novos ambientes e ter soluções
inovadoras. O
computador faz o que foi programado, o cérebro consegue
generalizar
soluções”, afirma. E se isso é verdadeiro no caso dos animais,
para os quais
Nicolelis propôs o conceito de computador orgânico, a
potencialidade da
ICC é infinitamente maior no caso humano.
Surge daí o conceito
de Brain Net, um passo ainda mais avançado na linha
de pesquisa. “A
ideia é, basicamente, no futuro e com métodos não invasivos,
permitir que todos
nós naveguemos a internet só pensando! “Seria como
estar imerso em um
meio de transmissão da atividade elétrica do cérebro,
que nos permitisse
trocar informações. Não só coisas complexas, mas sinais
inteligíveis, que
nos deixasse interagir em um meio diferente. É quase uma
nova linguagem”, diz
Nicolelis.
De qualquer modo,
internet cerebral é apenas um conceito teórico no
momentoe ainda impossível
ter qualquer previsão concreta de quando
algo do tipo poderá ocorrer.
Décadas ou séculos, não se sabe. Mas a
velocidade dos avanços nos estudos com
ratos e macacos não deixa de
ser animadora, segundo Nicolelis.
No caso humano, um
dos entraves são os equipamentos necessários para
ler e transmitir sinais
elétricos produzidos pelo cérebro. Se nos animais foram
usados implantes (como
microeletrodos) instalados, isso não é possível nem
desejável em humanos. “A ideia
seria que fosse com equipamentos não
invasivos. Essa é a dificuldade em e
fazer isso agora. Já existem equipamentos
que leem sinaiselétricos do
cérebro, mas ainda são muito pouco precisos.
E a comunicação seria muito rudimentar”.
Mas, também na evolução
desses equipamentos,Nicolelis é otimista
quanto aos avanços para os
próximos anos. Além deNicolelis os
coautores desse estudo foram
Miguel Pais Vieira, Mikhail Lebedev, Jin Wang e Carolina
Kuricki.
Andar novamente
Se tudo ocorrer como
previsto, a apresentação na abertura da
Copa será, segundo
Nicolelis, uma demonstração do potencial da
pesquisa para
reabilitar milhões de pessoas. “No futuro, será
possível que
pacientes tetraplégicos aproveitem essa tecnologia
não apenas para
mover seus braços e mãos e voltar a andar,
mas também para
sentir a textura de objetos colocados em
suas mãos ou
perceber detalhes táteis das superfícies em que
passeiam com a ajuda
de um exoesqueleto robótico.”
Diferentemente do
caso da internet cerebral, podemos esperar,
para um futuro muito
mais próximo, a criação de uma série de
neuropróteses
capazes de restaurar funções motoras essenciais
em pacientes que
sofreram graves níveis de paralisia corpórea.
Por fim, seja pelos
estudos com Interfaces Cérebro-Máquina ou com
Interfaces
Cérebro-Cérebro, o fato é que muito se espera do
neurocientista
Miguel Nicolelis e de sua equipe de pesquisadores.
Ao contrário de
outros projetos científicos que não prometem mudanças
para a vida prática
das pessoas, as pesquisas do brasileiro trazem
grandes expectativas
de transformação nos rumos da humanidade.
Transformações que
podem acontecer em breve ou não, mas que
já mostram seus
caminhos."
acessado dia 18.06.2013
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